A música tem um papel crucial na minha vida desde muito nova. Moldou a minha forma de enxergar e ser, e me manteve de pé durante momentos difíceis. Sou atraída por letras bonitas, melodias estranhas, melancólicas e que tenham alguma bateria no fundo. Gosto de ouvir as verdades cruas sobre a pessoa que canta, traduzidas em cifras e acordes, e junto com a música, descobrir também, verdades sobre mim.
Quando fui ao cinema assistir ‘Homem com H’, já estava preparada para ser impactada pelo o que estava por vir, mas não imaginei que sairia de lá com tudo revirado dentro de mim. Ney Matogrosso causa inquietação, angústia febril e projeção de desejos. Ney causa um turbilhão de sentimentos velozes.
Olhos grandes, corpo esguio e ousado, voz agridoce e uma potência artística e estética imensa. Tudo isso vindo até mim a 100km por hora, me fazendo repensar tudo o que sei sobre música, arte, cultura e, principalmente — sobre a morte.
No filme, a morte de algumas pessoas próximas a ele é retratada de maneira sutilmente avassaladora. Ao mesmo passo que senti com ele o peso da perda de alguém especial, senti a forma bonita como ele transformou dor, em arte. Isso ficou claro pra mim ao ouvir Jesuíta Barbosa dublar “Pedra de Rio”. Não soube explicar o que senti, mas lembrei de uma frase do livro “Tudo é Rio” de Carla Madeira:
“ […] A morte é vida intensa demais para quem fica.” - Carla Madeira
Tenho escutado essa música várias vezes durante o dia, ainda sem entender o que sinto com ela. A única coisa que sei é que durante muito tempo me considerei uma mulher fria demais para lidar com a arte e com a morte. Me intitulava como racional e objetiva, grande besteira. Carregava no peito o orgulho de nunca ter chorado em um enterro, ou de não sentir compaixão pelo ocorrido. E pior, achava que arte era coisa de gente sem ter o que fazer.
A verdade é que eu sou sensível até demais, e esconder isso por muito tempo atrasou meu processo criativo, artístico, estético e sentimental. As músicas de Ney, junto com sua história, me descongelaram. Sua arte veio até mim como uma onda de calor, tirando a crosta que eu havia criado entorno de tópicos sensíveis para mim, como por exemplo a morte da minha avó Salua e Carmem.
Me tornei pedra rolada no rio da minha insensatez, ignorância, prepotência e me distanciei de coisas que reafirmam a vida – a morte, e a arte. Mas Ney me chamou de volta quando cantou:
"Sequei o meu pranto
Enxuguei nesse sol
E nele um rio virei
Pedra de rio."